terça-feira, 1 de abril de 2008
A praça de Lisboa
A praça de Lisboa, esse maldito triângulo no centro (do centro) histórico do Porto, volta a ser notícia. Recentemente foi escolhido um projecto para tentar acabar com o problema. A praça, antigo Mercado do Anjo, já teve dias melhores como sabemos. Lembro-me de ir ao Clérigus Shopping e a maioria das lojas funcionarem, haver gente e ser um sítio agradável e seguro. Aquele espaço não estava mal. A ideia - criar um espaço público comercial exterior mas resguardado - era boa e até funcionou razoavelmente durante algum tempo, ainda que não fosse das melhores produções da arquitectura contemporânea portuguesa. Hoje infelizmente já não é assim. As lojas fecharam todas e o espaço ficou inseguro e abandonado, frequentado apenas por alguns grupos de jovens menos simpáticos e civilizados. Tornou-se fechado e isolado à envolvente - uma espécie de ilha misteriosa onde poucos se atrevem a entrar. Há alguns anos que este sítio precisa de uma intervenção. Não é então por acaso que tem sido um dos sítios mais estudados e discutidos na Faculdade de Arquitectura (UP), tendo sido alvo de consecutivas propostas de intervenção por parte dos alunos durante anos e anos, com diferentes programas e logicamente milhares de soluções arquitectónicas diferentes. Será mesmo difícil haver uma geração de arquitectos da FAUP (pelo menos das mais recentes) que não tenha já feito um projecto para lá, seja no segundo ou no quarto ano.
Antes de mais, parece-me claro que todo este esforço de estudo, interpretação e propostas, feito nesta mais do que reconhecida instituição pública financiada pelo Estado Português, apesar de ser um excelente e desafiante exercício de projecto, extremamente enriquecedor para os futuros projectistas da área da Arquitectura, deveria também servir de algo à cidade, sobretudo num momento em que se pleaneia fazer lá alguma coisa. Ou seja, parece-me que a cidade e nomeadamente a sua administração, estão a desprezar a resposta que procuram para o tão complicado problema. Nesse imenso catálogo de experiências entre os vários docentes e as centenas de discentes (muitos já arquitectos), muitas conclusões se tiraram e muitas direcções se abriram. Porque é que o conhecimento científico (se é que podemos chamar-lhe assim) desenvolvido pela Faculdade de Arquitectura, não é mais aproveitado pela cidade, como é feito noutras áreas do saber, como por exemplo na medicina, onde há uma forte ligação dos alunos à prática hospitalar?
Voltando à referida praça, penso que a nível funcional lhe faltam duas coisas: abertura e atractividade. A abertura e fluidez caracteriza os espaços públicos contemporâneos. Aos espaços claramente contidos e definidos, jardins fechados e pracetas, sucedem-se os sistemas de espaços públicos encadeados e relacionados a grande escala, tal como à cidade se sucedeu a metrópole (e eventualmente e metápole). Assim, a tendência na transformação e renovação dos espaços públicos tradicionais é, como vimos por exemplo no Jardim da Cordoaria (aqui no entanto feito de uma forma pouco consistente), de abertura, de visibilidade e de controlo. Os espaços são atractivos se forem abertos, visíveis, iluminados, controláveis (algo que em sociedades mais seguras não é tão necessário).
A atractividade é também importante. E gerar atractividade num centro histórico decadente não é uma tarefa fácil. Tão pouco é gerar abertura num espaço destes, de tão difícil desenho e forma - um triângulo praticamente equilátero, com uma diferença de cotas na ordem dos 9 metros. O programa pode gerar alguma atractividade na zona, mas também não vale a pena esperarmos milagres. Não é esta intervenção que vai salvar o centro histórico da decadência. Poderá ser porventura um contributo positivo, mas dificilmente será capaz de fazer muito só por si. Ao mesmo tempo, parece-me que o que esta praça realmente precisa é de alguma paz. E espaço. Não é afinal de contas uma praça? Então para quê procurar extensivamente programas para ela? Façamos uma praça e ponto final! De pouco mais precisa. Para pouco mais há espaço, de qualquer forma. Os espaços comerciais estão lá e falharam. A mim parece-me que um projecto praça praça de Lisboa tem que ser mais um projecto de subtracção que de adição.
Penso que o (único) projecto apresentado a concurso deixa muito a desejar. Funcionalmente acaba de vez com a praça. Se já tínhamos dúvidas se estávamos ou não perante uma praça, agora temos a certeza de que não estamos. Se o anterior espaço estava demasiado fechado à envolvente, passará a estar completamente isolado, porque enquanto antes tínhamos três pontos de contacto físico e outros tantos de contacto visual com as ruas nos sítios mais importantes (as três esquinas), agora passamos a ter dois, mais ou menos no mesmo sítio (precisamente o sítio com menos fluxo e de menor importância) - a meio da Rua Dr. Ferreira da Silva. Visualmente também não estamos melhor. Se o espaço existente era fechado à envolvente, o projectado acentua ainda mais esta característica. Temos assim não uma praça mas uma cobertura de edifício que ignora as ruas vizinhas e se isola. Estamos perante um problema cuja solução deveria passar claramente muito mais pela continuidade do que pela ruptura, o que não é o proposto. A ideia em si também não parece muito interessante, nem sequer minimamente reflectida: umas ondas e uns objectos a boiar. Não se percebe uma intenção global no projecto nem o porquê dos sítios destes objectos. Conservam-se os edifícios da esquina, também não se percebendo bem porquê (talvez fosse uma exigência do concurso), mas a verdade é que não me parece haver qualquer tentativa de relação com os mesmos. É formalmente desinteressante e aleatório, sendo coerente nesse ponto. E é também altamente irreflectido na relação com a envolvente. Num projecto realizado para o coração do centro histórico do Porto, parece-me estranho não se ler qualquer tipo de referência à envolvente construída do mesmo, seja ela à escala do edifício ou da cidade. Sintetizando não me parece que o projecto resolva os problemas urgentes do sítio. Para além de não o fazer também pouco daquilo que acrescenta me parece inovador e susceptível de ter sucesso. Oxalá me engane.
Fotografia: Portovivo SRU http://www.portovivosru.pt/
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário