domingo, 18 de outubro de 2009

Sobre o processo evolutivo da construção portuguesa

Ao ouvir o discurso de aceitação do RIBA Gold Medal do Arquitecto Álvaro Siza fiquei particularmente impressionado com o tema que este escolheu para o iniciar, tema esse que traduz uma preocupação que tem vindo a ser comum nas suas recentes afirmações em entrevistas: a questão das transformações nos modos de construir que presenciou desde o início de carreira nos anos 50 até hoje. Estas transformações que conduziram dos métodos quase artesanais de construção a sistematização crescente são fruto da inevitável industrialização dos países e que é portanto mais acentuada nos mais industrializados, como por exemplo os EUA ou a Alemanha. Produzindo uma mudança intensa no processo criativo da arquitectura e no resultado construído, tem também consequências como ele refere nas relações entre arquitecto, cliente, construtor e trabalhadores e em todo o processo que leva o projecto à realização.


E neste último é realmente transformador. Nada é como dantes. Tudo se tem que reorganizar. Passa a haver diferentes firmas especializadas a fabricar cada componente do edifício, como se fosse uma máquina cujas peças vêm de todo o mundo e são montadas directamente no local. Pré-fabricação, estandardização. Tudo é previamente preparado, previamente pensado, previamente regulado. Para isso criam-se normas para tudo. O detalhe já não se desenha, escolhe-se do catálogo. Muita coisa já não se pode fazer ou porque é proibida pela norma ou simplesmente porque não é prevista, e portanto não está regulada. Acaba a improvisação. Com tantas empresas a trabalhar na mesma peça tudo é planeado ao milímetro. A responsabilização do arquitecto também é regulada e levada ao extremo. O extremo é tal que ninguém se atreve a propor nada de novo, com medo das consequências, caso algo não resulte.


E em Portugal? O que se passou? Durante décadas nada. Enquanto no norte da Europa já se ia longe neste processo, em Portugal continuava-se a construir como sempre se construiu. Apesar do uso do betão armado para as estruturas, tudo o resto era simplesmente artesanal. O atraso típico do nosso país em relação à “proa da Europa” (ou simplesmente a Europa, como se diz em Portugal) protegeu os métodos de construção artesanais durante algumas décadas. Curiosamente estas décadas coincidiram com o período de enorme projecção da arquitectura nacional no estrangeiro, graças sobretudo aos arquitectos da famosa “escola do porto” a partir do pós 25 de Abril. Ou seja, a arquitectura portuguesa projectou-se e ganhou reconhecimento no estrangeiro, através de uma forma de construção atrasada e artesanal. O que pensará o mundo industrializado disto tudo? Não será de certa forma paradoxal termos conquistado o mundo através de uma arquitectura inovadora que só é possível existir numa forma de construir ultrapassada?


E qual é afinal o futuro da construção nacional com a industrialização da mesma e com a normalização imposta pela União Europeia? Tendemos para o modelo alemão? Chegaremos ao mesmo estado? Ou continuaremos a ser de certa forma diferentes? A questão será talvez: a diferença entre a nossa construção e a construção do norte da Europa é afinal consequência de uma diferença cultural ou de um atraso evolutivo? Ou antes: é afinal de contas uma vantagem ou uma desvantagem?